03.04.2023

Por Anastasia Divinskaya, Representante da ONU Mulheres no Brasil

Tornou-se uma tradi??o para o Escritório da ONU Mulheres no Brasil comemorar anualmente o Abril Indígena, com aten??o a alguns pontos em específico: discutir os desafios e celebrar as conquistas dos povos indígenas; ampliar as vozes das defensoras de direitos humanos e da juventude indígena; e aumentar a conscientiza??o sobre as obriga??es do Estado para proteger os direitos humanos da popula??o indígena.

Este ano, temos muito a celebrar junto ao movimento indígena, especialmente o aumento da representa??o dos povos indígenas em cargos de decis?o em níveis federal e estadual, a posse da primeira presidente indígena da FUNAI, ?a cria??o do Ministério dos Povos Indígenas e muitos outros ganhos. Em todos esses avan?os e resultados extraordinários, as mulheres indígenas desempenharam um papel central.

Em nosso trabalho cotidiano, a equipe da ONU Mulheres dá uma aten??o especial aos direitos humanos das mulheres e meninas indígenas. Apesar de seus enormes bens e contribui??o para a sociedade, as mulheres indígenas ainda enfrentam múltiplas formas de discrimina??o. Enquanto mulheres e pessoas indígenas, elas est?o sujeitas à pobreza extrema, intolerancia religiosa, ao tráfico, à falta de acesso a cuidados de saúde e educa??o inadequados ou insuficientes e à violência na esfera privada e pública, tais como várias formas de violência relacionadas a invas?es dos territórios ancestrais e atividades garimpeiras ilegais.

Lan?amos o mês indígena com orgulho e inspira??o da for?a e perseveran?a das mulheres indígenas, as mulheres que têm lutado pelos direitos humanos de seus povos, por suas liberdades, por sua autonomia e independência todos os dias, meses, ao longo de uma história de resistência à discrimina??o, ao racismo sistêmico e ao colonialismo.

A ONU Mulheres, como única entidade da ONU que surgiu do movimento global de mulheres, tem todas as nossas prioridades e a??es enraizadas no ativismo dos direitos humanos das mulheres. ?Damos prioridade à lideran?a das mulheres e à elimina??o de todas as formas de discrimina??o experimentadas pelas mulheres com base em sua ra?a, etnia, classe, status social e econ?mico e demais discrimina??es, que impedem a realiza??o dos seus direitos humanos. Naturalmente, temos colaborado com mulheres indígenas nas suas lutas por direitos humanos por décadas em todo mundo, em todos os níveis e frentes.

Sabe-se que as mulheres indígenas, como mulheres e como pessoas indígenas, s?o titulares de direitos reconhecidos em diversos tratados e normas internacionais de direitos humanos. Isso inclui a Declara??o da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2007), a Conven??o no 169 da Organiza??o Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais (1989) e a Conven??o sobre a Elimina??o de Todas as Formas de Discrimina??o Contra a Mulher (CEDAW), a conven??o, que protege os direitos de TODAS as mulheres e meninas.

Como estamos falando dos direitos humanos das mulheres indígenas, gostaria de enfatizar o papel que as mulheres indígenas do Brasil e suas parentas no mundo têm desempenhado na cria??o das normas e padr?es globais de direitos humanos e como estes influenciam a legisla??o e políticas em benefício de TODAS as mulheres e meninas no nível nacional.

As mulheres indígenas sempre fizeram parte das lutas de seus povos, seja em nível nacional ou em foros internacionais. Há um legado de mulheres extraordinárias, que vieram para a ONU desde o primeiro ano do Grupo de Trabalho sobre Popula??es Indígenas, em 1982, em Genebra, Suí?a. Hoje, no Fórum Permanente da ONU sobre Quest?es Indígenas, as mulheres indígenas participam em grande número e têm uma voz forte e poderosa.

Infelizmente, há um conhecimento muito limitado sobre este aspecto da lideran?a política e da mobiliza??o social das mulheres indígenas.

Por exemplo, você sabia que as mulheres indígenas lideravam a formula??o das normas coletivas de direitos humanos lutando por seus direitos à prote??o de suas terras ancestrais, conhecimento tradicional, autodetermina??o, consentimento livre, prévio e informado, relacionados a interesses e experiências indígenas coletivas?

Um desenvolvimento positivo a ser assinalado aqui é o documento final da Conferência Mundial sobre os Povos Indígenas, que se concentrou nos direitos dos povos indígenas em geral e nos direitos das mulheres indígenas. Posteriormente, os chefes de governo dos Estados Membros da ONU convidaram o Conselho de Direitos Humanos da ONU a examinar as causas e consequências da violência contra as mulheres e meninas indígenas como viola??o de seus direitos individuais no contexto dos direitos coletivos. ?Essas a??es influenciaram a agenda e os mandatos dos órg?os e mecanismos de direitos humanos no mais alto nível internacional.

Este é o resultado da participa??o e lideran?a das mulheres indígenas.

Além disso, você sabia que as mulheres indígenas desempenharam um papel central no desenvolvimento da Declara??o e Plataforma de A??o de Pequim, adotadas na Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher em Pequim, em 1995?

As mulheres indígenas influenciaram as decis?es políticas do texto da Declara??o para garantir referências às mulheres indígenas. Também foram elas que elaboraram a Declara??o das Mulheres Indígenas de Pequim, documento que orientou as a??es para construir suas organiza??es.

Para os governos, judiciário e parlamentos de todo o mundo, por quase 30 anos desde sua ado??o, a Declara??o a Plataforma de A??o de Pequim é o projeto mais importante já existente para o avan?o dos direitos das mulheres. Desde ent?o, todos os países os têm usado como orienta??o para a formula??o de suas políticas, planos e legisla??o para as mulheres.

Este é o resultado da participa??o e lideran?a das mulheres indígenas.

Outro exemplo, a conquista mais recente das mulheres indígenas foi a ado??o pelo Comitê das Na??es Unidas para a Elimina??o da Discrimina??o contra a Mulher (CEDAW) da Recomenda??o Geral No 39 (2022) sobre os direitos das mulheres e meninas indígenas.

Esta é a mais nova ferramenta legal internacional, que exige que os governos desenvolvam e implementem imediatamente leis e políticas abrangentes para enfrentar a discrimina??o histórica e a viola??o dos direitos individuais e coletivos das mulheres indígenas.

é o primeiro instrumento normativo do sistema ONU a se concentrar nos direitos das mulheres e meninas indígenas.

E é um resultado para o qual nós, a ONU Mulheres, trabalhamos em conjunto com mulheres indígenas do Brasil, da América Latina e de outros países do mundo.

As mulheres indígenas brasileiras desempenharam um papel vital neste processo, enviando suas delegadas à consulta regional com os membros do Comitê CEDAW no México, no ano passado. Elas promoveram a inclus?o das medidas necessárias a serem implementadas pelo governo, poder judiciário e legislativo. Este é um exemplo do protagonismo político e da mobiliza??o social das mulheres indígenas, quando elas têm um espa?o, um ambiente propício e quando podem contar com a parceria das outras partes interessadas.

Agora que as mulheres indígenas tiveram sucesso com a ado??o deste poderoso documento legal internacional, ele pode ser usado para melhorar a legisla??o existente, para desenvolver novas leis e políticas para proteger os direitos das mulheres e meninas indígenas do Brasil. O principal desafio é implementar medidas e a??es concretas, apoiadas com or?amentos adequados. Além da lideran?a política dessas mulheres, será necessário um diálogo aberto e construtivo entre todos os poderes do Estado e as mulheres indígenas e suas organiza??es.

No Brasil a ONU Mulheres tem trabalhado com mulheres indígenas na constru??o de seu movimento e apoiando sua luta por direitos humanos e autonomia, a transversaliza??o de seus direitos nas políticas públicas, a nível federal, estadual e municipal, a participa??o igual na política e em espa?os de lideran?a.

Apoiamos sua luta contra a??es nocivas que impulsionam as mudan?as climáticas e a gravidade de seus impactos sobre todo seu modo de vida, violência contra as defensoras de direitos humanos indígenas e ambientais que sofrem intimida??es, ataques, assassinatos, contra racismo religioso, assassinatos e violência experimentados, por exemplo, por nhandesys, líderes espirituais do povo Guarani e Kaiowá, e também a violência baseada em gênero, além de muitas outras áreas.

Trabalhamos com mulheres indígenas, articula??es e redes, em nível comunitário, municipal, estadual e federal, em todos os biomas.

A ONU Mulheres vai continuar a aumentar sua parceria diária com mulheres indígenas enquanto elas lutam por direitos, autonomia, prote??o e seu legítimo assento em mesas onde decis?es que impactam suas vidas est?o sendo tomadas. Nossa abordagem em colabora??o com mulheres indígenas se baseia em nosso respeito à sua autonomia e no reconhecimento de que elas s?o agentes de mudan?a e transforma??o, uma vez que detêm papéis fundamentais na linha de frente, conhecimentos e experiência necessários para atender às suas necessidades e prioridades.

E você sabe o que mais? N?o recebemos nada além de inspira??o, admira??o, for?a e respeito desta parceria. Somos orgulhosas de ser as companheiras de sua luta por direitos humanos.

Recomenda??o n.39 da CEDAW: clique aqui para download?
Resumo: clique aqui para download